No setembro amarelo, especialistas chamam atenção para o aumento dos casos de suicídio no Brasil e na Itália e alertam que prevenir não apenas é possível como necessário e urgente
É a segunda maior causa de morte entre jovens no mundo, mais precisamente de pessoas entre 15 e 29 anos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, antes da pandemia do coronavírus, uma pessoa cometia suicídio a cada quatro segundos no mundo, provocando 800 mil falecimentos no planeta. Com a Covid-19, o alarme soou mais alto: esse número deu um salto em diversos países, inclusive no Brasil e na Itália.
Desde 2003, 10 de setembro é o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio, conforme decretado pela OMS. No Brasil, a necessidade de sensibilizar a população fez da intenção de um dia o tema para um mês inteiro: devido ao aumento de casos nos últimos anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria criaram a campanha do “setembro amarelo”. Em 2014, o Brasil já figurava em oitavo dentre os países com maior número de suicídios.
Desde março deste ano, ou seja, desde o início das medidas de isolamento social, foram registrados nas cidades italianas pelo menos 71 casos de suicídios e 46 tentativas, enquanto o mesmo período de 2019 teve 44 casos de pessoas que tiraram a própria vida e 42 tentativas. O país , porém, tem uma média anual de quatro mil casos e 40 mil tentativas por ano, o que nos faz pensar em subnotificações. Nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada pelo Pine Rest Christian Mental Health Services, um hospital de saúde comportamental em Michigan, revelou que o número de suicídios aumentou 32% durante a quarentena. Embora o Brasil ainda não apresente estatísticas oficiais, a percepção tem sido idêntica: uma sondagem realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria mostra que 89,2% dos especialistas relataram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes nos últimos meses.
Comunità ouviu um dos mais importantes especialistas italianos, Maurizio Pompili, presidente da Conferência internacional de Suicidiologia e Saúde Pública, realizada este mês pela Università Sapienza di Roma, e professor de psiquiatria da entidade.
– Muitos países estão registrando um aumento de casos ligados à pandemia, envolvendo a falta de perspectiva e a crise econômica, somadas às notícias, que continuamente fazem pensar que não haverá melhora nem solução e que enfatizam a grande incidência de abuso doméstico e de alcoolismo – afirma.
A causa dos suicídios desde março não é somente a pandemia, esclarece Pompili, já que o problema envolve uma série de causas, variando de acordo com o histórico de cada indivíduo.
– Os suicídios têm causas complexas. Não podemos pensar que seja só a Covid-19, cujo impacto é notável, e de qualquer forma é exercida sobre indivíduos já vulneráveis, que apresentam fragilidade ao longo do tempo. O sofrimento vai aumentando em quem já tinha uma vulnerabilidade. A mídia inclusive deveria reportar o assunto de maneira apropriada, sem trazer notícias sensacionalistas, e sim falar do suicídio como algo que se pode prevenir, pedindo-se ajuda e reconhecendo os indivíduos em crise – afirma à Comunità o autor do livro La prevenzione del suicidio.
Como podemos acender o alarme em relação a alguém que pode tirar a própria vida de forma inesperada? Existem alguns sinais no comportamento das pessoas que pensam em suicídio:
– Podemos elencar sinais de alarme, como a falta de sono, a perda de apetite, declarações como “não aguento mais”, “largo tudo” etc, a realização de testamentos ou mudanças bruscas de humor. É preciso decodificar o drama e entender em que nível o sofrimento dessas pessoas chegou e, às vezes, chegam a um ponto em que não “podem mais”, quando elas veem no suicídio o melhor remédio – enumera Pompili, que é presidente da seção de suicidologia da Sociedade Italiana de Psquiatria.
Assim como Pompili, o psicoterapeuta italiano Massimo Felici chama atenção para a influência exercida pelos meios de comunicação de massa nos tempos que vivemos.
– Quero acenar sobre a responsabilidade da mídia sobre os efeitos que podem levar ao suicídio. Vamos falar claro: a mídia sempre bombardeia com notícias angustiantes, sobre aumento do contágio, entre outras coisas – alerta.
Depressão pode ser fator de risco, mas não é o principal
Ao contrário do que se pode pensar, a depressão não é a causa principal dos suicídios – e sim um dos fatores de risco. A maior parte dos depressivos não suicida, revela Maurizio Pompili.
– Os deprimidos podem estar entre os suicidas, mas não necessariamente quem é deprimido se suicida e nem todo suicida é deprimido. Toda a história do indivíduo pesa. Não suportar certos pensamentos é o que leva ao suicídio.
Os números no Brasil comprovam essa tese. As mulheres lideram as estatísticas das pessoas que sofrem de depressão e as tentativas de tirar a própria vida, mas a maioria dos suicídios é cometida efetivamente por homens no país – assim como na Itália – seguindo uma tendência global.
Em 2017, segundo o Sistema brasileiro de Informações sobre Mortalidade, foram registrados 10.218 suicídios de homens e 2.828 de mulheres. O perfil comum do jovem que se suicida no Brasil é homem, solteiro e com até 11 anos de estudo. A taxa entre as populações indígenas, três vezes superior à média nacional, também chama atenção: são 15,2 registros por 100 mil pessoas, enquanto que no país em geral contabiliza-se 5,8 óbitos para cada 100 mil habitantes. Alarmante é a incidência de 44,8% de suicídios de indígenas na mais tenra idade: entre 10 e 19 anos.
Prevenir suicídios torna-se urgente em época de depressão econômica
Vivemos uma época em que se misturam crise econômica e crise sanitária, o que torna urgente a necessidade de prevenção.
– A história ensina que em momentos de crise econômica os sujeitos perdem a cognição. Um exemplo é a grande depressão nos EUA nos anos 1930. Devemos evitar que haja mortos por causa da crise e devemos trabalhar muitíssimo pela prevenção – cita o psiquiatra Pompili.
Existem diversos tipos de medidas preventivas, explica o especialista.
– Temos a prevenção feita junto a toda a população, com sensibilização a respeito dos sinais de alarme em pessoas aparentemente acima de qualquer suspeita, mas que apresentam sinais como falta de sono. Temos a sensibilização feita junto a grupos de risco, como jovens com certo perfil, ou idosos. E temos ainda a sensibilização terciária, feita junto a pessoas que já pensaram em cometer suicídio – esclarece.
A dificuldade de acesso a serviços de assistência para a saúde mental em meio à pandemia, sem dúvida, agravou a situação para os especialistas. Enquanto Pompili acredita que o incremento do atendimento virtual possa ajudar a resolver esse vácuo, Massimo Felici acha a modalidade digital insatisfatória em muitos casos.
– O fechamento dos ambulatórios e a dificuldade de acesso a consultórios e de ter um diálogo com a pessoa que estava seguindo o paciente não ajuda. Apesar do Skype e do computador, há situações bem difíceis de serem administradas à distância – avalia Felici.
O psicólogo italiano radicado na França se revela preocupado com a vulnerabilidade dos profissionais de saúde aos pensamentos suicidas.
– Existem três faixas de população mais suscetíveis: os operadores de saúde, que estão em primeira linha do coronavírus; quem tem medo de ser infectado e de infectar outras pessoas; e quem perdeu o trabalho ou sua empresa e se encontra em grande dificuldade econômica – comenta Felici.
Já para o jovem autor do livro Tu non sei solo, Luca Migliorato, o autoconhecimento é fundamental para evitar pensamos suicidas. A obra surgiu da necessidade de se falar de um assunto sobre o qual “não se fala o suficiente”. Inspirado pelos cantores Dan Reynolds e Matt Shadows,o estudante siciliano acredita no papel fundamental da cultura na vida dos indivíduos.
– Aprender a se conhecer é fundamental para se viver em harmonia, e sabemos bem que certos problemas nascem de um desequilíbrio interior, frequentemente causado por ritmos frenéticos da sociedade. Então me parece uma ótima ideia ensinar às pessoas pequenos instrumentos para o autoconhecimento, pois dali se pode começar a trabalhar sobre si mesmo. Para mim, o autoconhecimento e a cultura não são conceitos separados, pois no âmbito da prevenção ao suicídio se colocam juntos como duas engrenagens que permitem o funcionamento de um sistema complexo, o da prevenção. No final das contas, conhecer a si mesmo é uma forma de cultura. Ao mesmo tempo, se nos interessamos mais pela cultura, nos interessaremos a um melhor autoconhecimento. São duas faces da mesma moeda – comenta com Comunità o jovem de Messina.
Fatores de risco
Perda de pessoas queridas
Doenças físicas
Abuso de drogas ou álcool, principalmente entre jovens
Fortes perdas econômicas
Bruscas mudanças de vida
Idosos que vivem isolados
Eventos adversos na infância e na adolescência
Suicídios de parentes ou pessoas próximas
Transtornos psiquiátricos, como bipolaridade, esquizofrenia ou depressão
Fatores de proteção
Ter filhos
Apoio familiar
Manter atividades recreativas e de lazer
Participar de clubes ou associações
Religiosidade