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Porto de Nápoles, 14 de fevereiro de 1955. Meu pai, então um jovem nascido em Sacco, na Itália, e cheio de esperança, não sabia ao certo o que o aguardava do outro lado do Atlântico. Imagino até hoje o que passava pela sua mente, com ele sentado em algum banco de espera do porto, tendo ao lado sua pequena mala, aguardando o momento para a viagem que transformaria radicalmente sua vida. Subira pelos degraus de embarque no navio Bretagna até o convés imerso em um universo de dúvidas que atormentaria qualquer jovem de tão pouca idade. Nunca, porém, abordara comigo e meus irmãos Giuseppe e Ana Sofia se sentira ou não temor do que encontraria pela frente no Rio de Janeiro, o seu destino. E foi no dia 9 de março, ou seja, quase um mês após uma longa permanência em alto mar, que meu pai, Vito Petraglia, aportou na então capital federal, ou seja, exatamente dez anos após o fim da Segunda Guerra Mundial que tanta dor provocou no mundo, em particular, nos italianos, como o meu pai e a minha mãe, Angelina, que, igualmente, nasceu em Sacco, pequena cidade localizada na linda montanha do Cilento, em Salerno. Eles se conheceram lá. Foram prometidos um ao outro por seus pais e se casaram, como em novela, à distância. Sim, à distância porque meu pai já se encontrava no Rio. Minha mãe entrou na igreja acompanhada de um primo que representava o esposo Vito. Sem ele e somente com minha mãe presente, houve festividades da cerimônia em Sacco. Após tanta angústia devido à distância, chegara, afinal, o dia tão aguardado. Enfim, minha mãe atravessara o oceano e encontrara o esposo, no Rio. Papai já estava estabelecido, e foi essa a condição imposta pelas duas famílias para que minha mãe pudesse cruzar o oceano e encontrá-lo. No dia 4 de março de 1965, Angelina, desembarcara do navio Giulio Cesare, no porto do Rio. Notaram a data? Sim, minha mãe e meu pai permaneceram distantes durante dez anos até se encontrarem. Hoje, 16 de fevereiro, mesma dada de publicação desta edição histórica, mamma Angelina completa 80 anos, dos quais mais de 50 distante de sua terra natal, tendo lá retornado em quatro ocasiões. Papai Vito saiu de Sacco aos 17 anos e nunca mais voltou tamanha era sua dor de ter deixado o “paese” que tanto descrevia com nostalgia e rara beleza. Nunca o vi falar ao telefone com parentes da cidade natal ou mesmo radicados nos EUA, pra onde foi outra parte daqueles que saíram de lá, sem derramar lágrimas e, muitas vezes, com choro que o impedia de prosseguir a fala. Faleceu em agosto de 2022, vítima de uma pneumonia aguda aos 86 anos, dos quais passou ao lado de minha mãe mais de 60 anos. Essa perseverança no amor e no respeito de um com o outro tem parâmetros na epopeia vivida por tantos que deixaram suas terras para criar novos horizontes para si e para os familiares e amigos que ficaram, pois mandavam frequentemente divisas de países que ajudaram a desenvolver. Juntos construíram uma vida de muitas batalhas e tiveram três filhos. Eu e meus irmãos aprendemos com ambos a força do trabalho e a ética. Mas também a amar a vida do jeito que nos era apresentada. Vito e Angelina aprenderam, com o tempo, a superar essa jornada de dificuldades quase que inverossímil que os cercara. Certa vez, meu pai disse que se casara “no escuro” e que tudo “dera certo”. Amavam-se muito. O prazer vinha nas mesas fartas com a família em torno ao som de canções napolitanas e ópera. E esta narrativa dos dois imigrantes é comum a milhões de outros italianos que para cá vieram em busca da renovação, da “cuccagna!”, como dizem desde que a primeira colônia deles foi construída em solo brasileiro, mais precisamente em Santa Teresa, no interior do Espírito Santo, no dia 21 de fevereiro de 1874. E lá se vão 150 anos de uma jornada determinada por esperança e amor. Mas também por uma vocação incomparável para o trabalho. Isso está latente no povo italiano, nos imigrantes que foram determinantes para o desenvolvimento do Brasil ao longo deste século e meio. Está latente em cada um dos cerca de 30 milhões de ítalo-brasileiros que hoje vivem no país. São “Giovannis” e “Giovannas”, “Giuseppes” e “Giulias”, “Marcos e “Marias”, “Vitos” e “Angelinas”, “Francescos” e “Francescas”… são nomes e sobrenomes que traduzem um amor infinito. E um pouco dessa linda e transformadora história conheceremos ao longo desta edição da Comunità, que, por sinal, está a um mês de completar seu 30º aniversário.
Tanti auguri! Boa leitura!